terça-feira, 22 de março de 2016

Democracia não é bem assim como tem lhes parecido

Criando-se instabilidade, não há como haver instituições fortes e, sem elas, não há melhora econômica ou social de fato.

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"A democracia é pedagógica. Sem uma pedagogia constante, ela não sobrevive. Derrubar um presidente, especialmente a partir de motivos não totalmente esclarecidos ou de fatos não consensuais, repassa a perigosa ideia para as elites, para as forças políticas e para a população de que "se não está bom, ou se não é conveniente, pode cair". A instituição das eleições ganha importância relativa e o cálculo político para se chegar ao poder passa a levar em conta com mais força outras variáveis ao largo da consulta popular. Na outra mão, cientes disso, aqueles que chegam ao poder já o assumem com a meta de buscar todos os recursos possíveis para a sua permanência, e muitos desses métodos, por autodefesa, são reformistas ou de tendência autocrática. Pronto, foi-se por água abaixo o sistema representativo. Em países onde essa instabilidade ocorre, não há como haver instituições fortes e, sem elas, não há melhora econômica ou social de fato." ~ Leonardo Valente

LVEntre 2001 e 2006, a Bolívia teve cinco presidentes. Entre 2000 e 2007, o Equador teve quatro presidentes e duas juntas militares. Na Argentina, entre 1999 e 2003 foram 4 presidentes (três deles entre 2001 e 2003). Em todos esses países, o que vimos nesses períodos foram dolorosos processos de deterioração institucional, convulsões internas e, no caso da Argentina, como brinde uma impressionante perda de relevância externa.

Derrubar um presidente em um regime presidencialista não é algo trivial, não é um processo corriqueiro, é uma situação extrema, uma excepcionalidade destrutiva, traumática e que corrói a estabilidade das instituições republicanas, às vezes por décadas. O ambiente político, respaldado por elites e pela opinião pública, pode até aparentar uma melhora ou alívio esporádico com a derrubada, mas não se engane: via de regra, trata-se , analogamente, de uma "melhora súbita pré-morte", aqueles casos de pessoas em estado grave, geralmente inconscientes, que recuperam a consciência e, lúcidos, conversam com amigos e parentes, perdoam e e pedem perdão, mas em seguida morrem.

A democracia é pedagógica. Sem uma pedagogia constante, ela não sobrevive. Derrubar um presidente, especialmente a partir de motivos não totalmente esclarecidos ou de fatos não consensuais, repassa a perigosa ideia para as elites, para as forças políticas e para a população de que "se não está bom, ou se não é conveniente, pode cair".

A instituição das eleições ganha importância relativa e o cálculo político para se chegar ao poder passa a levar em conta com mais força outras variáveis ao largo da consulta popular. Na outra mão, cientes disso, aqueles que chegam ao poder já o assumem com a meta de buscar todos os recursos possíveis para a sua permanência, e muitos desses métodos, por autodefesa, são reformistas ou de tendência autocrática. Pronto, foi-se por água abaixo o sistema representativo. Em países onde essa instabilidade ocorre, não há como haver instituições fortes e, sem elas, não há melhora econômica ou social de fato.

A recente redemocratização do Brasil já passou por uma quebra dessa envergadura, e está à beira de dar um segundo passo nesse sentido. Independentemente de orientações ideológicas, o momento da sociedade refletir seriamente se realmente esse é o passo a ser dado, é agora. Em questão de dias, pode ser tarde demais. O impedimento é realmente a solução dos problemas? Vale a pena arcar com suas consequências? Refletir sobre essa pergunta, levando-se em conta o longo prazo e deixando de lado as divisões mesquinhas nunca foi tão urgente, especialmente diante do fato de que muita gente de peso já refletiu e decidiu, e não vai ser nada fácil, apesar de não ser impossível, fazê-las recuar.

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Leonardo Valente é professor e pesquisador de Relações Internacionais da UFRJ

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