segunda-feira, 7 de outubro de 2019

O Grande Perigo da Morte da Floresta Amazônica

SOBRE A AMAZÔNIA

Há 12 anos eu trabalho na Amazônia e há 10 pesquiso sobre os impactos do fogo na maior floresta tropical do mundo. Meu doutorado e meu pós-doutorado foram com isso e já vi a floresta queimando sob os meus pés mais vezes do que gostaria de lembrar. Me sinto então na obrigação de trazer alguns esclarecimentos enquanto cientista e enquanto brasileira, já que pra maioria das pessoas a realidade amazônica é tão distante:
Primeiro, e mais importante, é que incêndios na floresta amazônica não ocorrem de maneira natural – eles precisam de uma fonte de ignição antrópica ou, em outras palavras, que alguém taque o fogo. Ao contrário de outros ecossistemas, como o Cerrado, a Amazônia NÃO evoluiu com o fogo e esse NÃO faz parte de sua dinâmica. Isso significa que quando a Amazônia pega fogo, uma parte imensa de suas árvores morrem, porque elas não tem nenhum tipo de proteção ao fogo. Ao morrerem, essas árvores então se decompõem liberando para a atmosfera todo o carbono que elas armazenavam, contribuindo assim pras mudanças climáticas. O problema nisso é que a Amazônia armazena carbono pra caramba nas suas árvores, a floresta inteira estoca o equivalente a 100 anos de emissões de CO2 dos EUA, então queimar a floresta significa colocar muito CO2 de volta na atmosfera.
Os incêndios, que são necessariamente causados pelo homem, são de dois tipos: aquele usado pra limpar o roçado e o usado pra desmatar uma área; o que estamos vendo é do segundo tipo. Para desmatar a floresta, primeiro corta-se ela, normalmente com o que é chamado de correntão – dois tratores interligados por uma imensa corrente, assim com os tratores andando, a corrente entre eles vai levando a floresta ao chão. A floresta derrubada fica um tempo no chão secando, geralmente meses a dentro da estação seca, pois só assim a vegetação perde umidade suficiente pra ser possível colocar fogo nela, fazendo toda aquela vegetação desaparecer, e sendo então possível de plantar capim. Os grandes incêndios que estamos vendo agora e que fizeram o céu de São Paulo escurecer representam então esse último passo na dinâmica do desmatamento – transformar em cinzas a floresta tombada.
Além da perda de carbono e de biodiversidade causadas pelo desmatamento em si, existe também uma perda mais invisível – aquela que ocorre nas florestas queimadas. O fogo do desmatamento pode escapar para áreas não desmatadas e caso esteja seco o suficiente, queimar também a floresta em pé. Uma floresta que então passa a estocar 40% a menos de carbono do que anteriormente ela armazenada e, de novo, carbono esse que foi perdido para a atmosfera. As florestas queimadas deixam de ser de um verde luxuriante, esbanjando vida e a cacofonia de sons dos mais diversos bichos se silencia – a floresta adquire tons de marrons e cinzas, com os únicos sons sendo aqueles de árvores caindo.
A estação seca na Amazônia sempre trouxe queimadas e há anos tento chamar a atenção pros incêndios florestais, como os de 2015, quando a floresta estava excepcionalmente seca devido ao El Niño. O que tem de diferente esse ano é a dimensão do problema. É o aumento do desmatamento aliado aos inúmeros focos de queimada e ao aumento das emissões de monóxido de carbono (o que mostra que a floresta está ardendo), o que culminou na chuva preta em São Paulo e no desvio de vôos de Rondônia pra Manaus, cidades situadas a meros mil quilômetros de distância. E o mais alarmante dessa história toda é que estamos no começo da estação seca. Em outubro, quando chegar ao auge do período seco no Pará, a tendência infelizmente é da situação ficar muito pior.
Em 2004 o Brasil chegou a 25000 km2 de floresta desmatados no ano. De lá pra cá reduzimos essa taxa em 70%. É possível sim frearmos e combatermos o desmatamento, mas isso depende tanto da pressão da sociedade quanto da vontade política. Depende do governo assumir a responsabilidade pelas atuais taxas de desmatamento e parar com discursos que promovam a impunidade no campo. É preciso entender que sem a Amazônia não há chuva no resto do país, seriamente comprometendo nossa produção agrícola e nossa geração de energia. É preciso entender que a Amazônia não é um bando de árvores juntas, mas sim nosso maior bem.
É de uma dor indescritível ver a maior floresta tropical do mundo, meu objeto de estudo, e meu próprio país queimarem. O cheiro de churrasco acompanhado do silêncio profundo numa floresta queimada não são imagens que vão sair da minha cabeça jamais. Foi um trauma. Mas na escala atual, não vai precisar ser pesquisador ou morador da região pra sentir a dor da perda da Amazônia. As cinzas do nosso país agora buscam a gente até na grande metrópole.

Erika Berenguer, cientista brasileira

terça-feira, 24 de setembro de 2019

Como Bolsonaro está arruinando os planos de Steve Bannon



VACINANDO O MUNDO

COMO BOLSONARO ESTÁ ARRUINANDO OS PLANOS DE STEVE BANNON



Por caminhos tortuosos, Bolsonaro se transformou em garoto propaganda às avessas.
Sim, Bolsonaro vai salvar o mundo. Mas naturalmente não pelo que ele tem de bom, se é que tem, mas pelo que tem de péssimo, bufão e ignominioso.
Bolsonaro é a caricatura, exagerada, patética e monstruosa, dos políticos caricatos da extrema-direita do mundo todo.

Mas antes de tudo, Bolsonaro é um produto de Steve Bannon. Ele não é um fato isolado na geopolítica, mas uma peça num mosaico que vinha sendo cuidadosamente construído, através da metodologia que levou décadas para ser desenvolvida, tendo como laboratório eleições em países pobres, e que culminou com a aprovação do Brexit com a campanha "Leave.EU", a eleição de Trump, a campanha "Do So!" em Trinidad & Tobago e, enfim, a eleição de Bolsonaro.

Em síntese apertada, a metodologia consiste no armazenamento de dados pessoais sobre nossos perfis psicológicos e pessoais, por meio do Facebook, do Google e de aplicativos correlatos, como nos mostra o excelente documentário Privacidade Hackeada. Esses dados foram vendidos para a Cambridge Analytica, que desenvolveu o algoritmo e a tecnologia que vinha definindo, com muito sucesso, a política e a economia do mundo contemporâneo.

Estamos falando da indústria mais lucrativa do mundo, já que o ativo mais valioso do mundo não é o petróleo ou produto do gênero. É o banco de dados que fornecemos (in)voluntariamente através das redes sociais, sem fazer a menor ideia do quanto isso nos custa do ponto de vista particular e, menos ainda, do ponto de vista coletivo, político, econômico e social.

A metodologia é simplesmente impressionante.

Com nossa geolocalização, a equipe de Steve Bannon consegue fazer um mapa extremamente preciso, dispondo de nossos perfis psicológicos, nossa faixa etária e todas as informações necessárias para alterar nosso comportamento.

Nas palavras da Cambridge Analytica, o Santo Graal da comunicação é obter a modificação comportamental dos usuários das redes sociais.
Naturalmente, é mais fácil fazer isso com o grupo de indivíduos classificados como persuadíveis ou suscetíveis, ou seja, pessoas que podem mudar sua inclinação política de modo mais fácil.

Logo, o grupo alvo da Cambridge Analytica era o grupo considerado apático, ou seja, o grupo de pessoas a princípio indiferentes à política.

E como funciona a metodologia de uso de nossos dados pessoais? Depois de identificar quem são as pessoas do grupo suscetível a ter seu comportamento modificado por propaganda e mapeado pela geolocalização, eles iniciam propriamente a campanha.

Trump gastava um milhão de dólares por dia com anúncios de facebook. Mas não eram anúncios da campanha de Trump. Eram sobretudo anúncios da campanha antissistema.

Cada pessoa era bombardeada por conteúdos desenvolvidos exclusivamente para ela, voltados a deixá-la mais suscetível a mudar seu comportamento.

A campanha de Trump associou Hillary Clint ao sistema. Ou seja, a tudo que estava errado. Ao sistema financeiro, ao sistema político velho, ultrapassado e corrupto. E o encerramento da campanha obviamente se dava com a apresentação de Trump como solução salvacionista contra "tudo o que está aí".

O mesmo enredo foi utilizado com Bolsonaro e com a campanha antipetista. Nós vimos isso acontecer com nossas famílias e amigos. Nós vimos "pessoas normais" acreditarem em mamadeira de piroca, que o Brasil era comunista, que tudo era culpa do PT. O PT foi associado com tanto sucesso ao sistema - o que é um paradoxo, já que foi um governo minimamente trabalhista e inclusivo numa história de séculos de dominação oligarca - que a maioria do povo preferiu votar num candidato assumidamente estúpido, preconceituoso, radical e despreparado, porque ele era “antissistema” (sic).

Segundo a previsão dos especialistas, a metodologia desenvolvida ainda teria o poder de influenciar eleições e comportamentos pelos próximos dez anos, no mínimo, funcionando para ascensão de programas de extrema direita baseados no ódio, no racismo, na homotransfobia, na misoginia, xenofobia, na erradicado de direitos trabalhistas, privatização de empresas estatais e outras agendas neoliberais e neofascistas.

Entretanto, depois de consecutivas vitórias de Steve Bannon - em síntese, aprovação do Brexit no referendo popular, eleição de Trump, eleição de Macri, eleição de Bolsonaro - seguia firme para a eleição de Salvini, na Itália e a consolidação do Brexit, pelas mãos do primeiro-ministro conservador, Boris Johnson.

Entretanto, Bannon não contava com Bolsonaro. Não teve capacidade para imaginar que estava atuando para colocar no poder alguém capaz de deixar de receber um ministro de relações exteriores para cortar o cabelo, chamar a primeira dama de outro país de feia, tecer sua própria versão do “l’Etat c’est moi” com "Eu ganhei, porra! Johnny Bravo ganhou!", negar as queimadas na Amazônia, mandar o povo defecar dia sim, dia não, em ironia à crise ambiental, mandar recados grosseiros para líderes dos países do G7, entre uma lista interminável de falsidades, equívocos e constrangimentos jamais vistos em um chefe de governo, como, inclusive, acentuou Macron em conversa flagrada pela imprensa: não é p ostura de um presidente.

Bolsonaro é o retrato de Dorian Gray: ignóbil, perverso, bufão, imbecil e incompetente.
Eleito pelo voto democrático do povo brasileiro.

O resultado, trágico, está porém provocando um contraponto inesperado. Bolsonaro está revertendo a série de vitórias de Bannon.

Bolsonaro está prevenindo a modificação comportamental dos usuários das redes sociais para o que Bannon trabalha.

O retrato de Dorian Gray é tão assustador que as pessoas estão se tornando menos persuadíveis e suscetíveis ao tomarem Bolsonaro como referência de um futuro à espreita.
E como disse a amiga Elika Takimoto, enquanto alguns brasileiros se preocupam em não virar a Venezuela, o mundo inteiro está preocupado em não virar o Brasil.

Essa é a mensagem de Bolsonaro para o mundo. E essa mensagem é rápida. É certeira. É eficaz. Ela é racional, mas sobretudo emocional. As pessoas sofrem de um sentimento inequívoco de vergonha alheia ao verem o resultado do voto antissistema.

O cenário pós-Bolsonaro trouxe para Bannon derrotas significativas e alguns avanços para a humanidade.

Salvini derrotado na Itália. Boris Johnson, na Inglaterra, sofrendo consecutivas derrotas, vê o Brexit escapulindo. Macri caminhando para uma derrota estrondosa na Argentina. John Bolton, conselheiro de segurança nacional, nacionalista e belicista, principal interlocutor entre os governos Trump e Bolsonaro, foi demitido do governo Trump na semana passada. E o primeiro-ministro de Israel, Banyamin Netanyahu, encontra-se em minoria e fracassa em seu intento de continuar governando Israel à frente de uma maioria parlamentar sólida.

Por caminhos tortuosos, Bolsonaro se transformou em garoto propaganda às avessas.
Um Midas coprólogo, que tudo o que toca vira - perdoem a vulgaridade da linguagem presidencialesca - merda.

A extrema direita está murchando como a virilidade do machão na água gelada."

por Liana Cirne Lins, Professora da Faculdade de Direito da UFPE 18/09/2019

Triste fim de Jair Messias Bolsonaro

O triste fim de Jair Messias Bolsonaro
Por José Eduardo Agualusa


Jair acordou a meio da noite. Mandara colocar uma cama dentro do closet e era ali que dormia. Durante o dia tirava a cama, instalava uma secretária e recebia os filhos, os ministros e os assessores militares mais próximos. Alguns estranhavam. Entravam tensos e desconfiados no armário, esforçando-se para que os seus gestos não traíssem nenhum nervosismo. Interrogado a respeito pela Folha de São Paulo, o deputado Major Olimpio, que chegou a ser muito próximo de Jair, tentou brincar: "Não estou sabendo, mas não vou entrar em armário nenhum. Isso não é hétero."

Michelle, que também se recusava a entrar no armário, fosse de dia ou de noite, optou por dormir num outro quarto do Palácio da Alvorada. Aliás, o edifício já não se chamava mais Palácio da Alvorada. Jair oficializara a mudança de nome: "Alvorada é coisa de comunista!" — Esbravejara: "Certamente foi ideia desse Niemeyer, um esquerdopata sem vergonha."

O edifício passara então a chamar-se Palácio do Crepúsculo. O Presidente tinha certa dificuldade em pronunciar a palavra, umas vezes saía-lhe grupúsculo, outras prepúcio, mas achava-a sólida, máscula, marcial. Ninguém se opôs.

Naquela noite, pois, Jair Messias Bolsonaro despertou dentro de um closet, no Palácio do Crepúsculo, com uma gargalhada escura rompendo das sombras. Sentou-se na cama e com as mãos trêmulas procurou a glock 19, que sempre deixava sob o travesseiro.

— Largue a pistola, não vale a pena!

A voz era rouca, trocista, com um leve sotaque baiano. Jair segurou a glock com ambas as mãos, apontando-a para o intenso abismo à sua frente:

— Quem está aí?

Viu então surgir um imenso veado albino, com uma armação incandescente e uns largos olhos vermelhos, que se fixaram nos dele como uma condenação. Jair fechou os olhos. Malditos pesadelos. Vinha tendo pesadelos há meses, embora fosse a primeira vez que lhe aparecia um veado com os cornos em brasa. Voltou a abrir os olhos. O veado desaparecera. Agora estava um índio velho à sua frente, com os mesmos olhos vermelhos e acusadores:

— Porra! Quem é você?

— Tenho muitos nomes. — Disse o velho. — Mas pode me chamar Anhangá.

— Você não é real!

— Não?

— Não! É a porra de um sonho! Um sonho mau!

O índio sorriu. Era um sorriso bonito, porém nada tranquilizador. Havia tristeza nele. Mas também ira. Uma luz escura escapava-lhe pelas comissuras dos lábios:

— Em todo o caso, sou seu sonho mau. Vim para levar você.

— Levar para onde, ô paraíba? Não saio daqui, não vou para lugar nenhum.

— Vou levar você para a floresta.

— Já entendi. Michelle me explicou esse negócio dos pesadelos. Você é meu inconsciente querendo me sacanear. Quer saber mesmo o que acho da Amazónia?! Quero que aquela merda arda toda! Aquilo é só árvore inútil, não tem serventia. Mas no subsolo há muito nióbio. Você sabe o que é nióbio? Não sabe porque você é índio, e índio é burro, é preguiçoso. O pessoal faz cordãozinho de nióbio. As vantagens em relação ao ouro são as cores, e não tem reacção alérgica. Nióbio é muito mais valioso que o ouro…

O índio sacudiu a cabeça, e agora já não era um índio, não era um veado — era uma onça enfurecida, lançando-se contra o presidente:

— Acabou!

Anhangá colocou um laço no pescoço de Jair, e no instante seguinte estavam ambos sobre uma pedra larga, cercados pelo alto clamor da floresta em chamas. Jair ergueu-se, aterrorizado, os piscos olhos incrédulos, enquanto o incêndio avançava sobre a pedra:

— Você não pode me deixar aqui. Sou o presidente do Brasil!

— Era. — Rugiu Anhangá, e foi-se embora.

Na manhã seguinte, o ajudante de ordens entrou no closet e não encontrou o presidente. Não havia sinais dele. "Cheira a onça", assegurou um capitão, que nascera e crescera numa fazenda do Pantanal. Ninguém o levou a sério. Ao saber do misterioso desaparecimento do marido, Michelle soltou um fundo suspiro de alívio. Os generais soltaram um fundo suspiro de alívio. Os políticos (quase todos) soltaram um fundo suspiro de alívio. Os artistas e escritores soltaram um fundo suspiro de alívio. Os gramáticos e outros zeladores do idioma, na solidão dos respetivos escritórios, soltaram um fundo suspiro de alívio. Os cientistas soltaram um fundo suspiro de alívio. Os grandes fazendeiros soltaram um fundo suspiro de alívio. Os pobres, nos morros do Rio de Janeiro, nas ruas cruéis de São Paulo, nas palafitas do Recife, soltaram um fundo suspiro de alívio. As mães de santo, nos terreiros, soltaram um fundo suspiro de alívio. Os gays, em toda a parte, soltaram um fundo suspiro de alívio. Os índios, nas florestas, soltaram um fundo suspiro de alívio. As aves, nas matas, e os peixes, nos rios e no mar, soltaram um fundo suspiro de alívio. O Brasil, enfim, soltou um fundo suspiro de alívio — e a vida recomeçou, como se nunca, à superfície do planeta Terra, tivesse existido uma doença chamada Jair Messias Bolsonaro.

*Publicado originalmente na revista "Visão" de Portugal.

terça-feira, 8 de janeiro de 2019

Cor não tem gênero, gênero não tem cor, a sexualidade é diversa e não é tabu

Arte: @anjosujo
Ao tentar impor "cores" a gêneros, Damares (ministra da Família de Bolsonaro) na realidade está expondo sua opinião sobre a conduta sexual humana, estudada à exaustão por especialistas como Masters e Jonhson e Kinsey, desde a década de 1940. Em seu decreto moral, Damares mostra-se tapada (único adjetivo plausível para esse caso): aceita apenas o nível 0 da classificação criada por Kinsey, que descreve várias condições humanas em relação à sexualidade:
Fonte: Wikipédia
Seu erro é tentar impor suas opiniões como verdades absolutas; erro grosseiro e desonesto, especialmente por estar ela ocupando um cargo cujo fim deveria ser garantir o bem-estar de pessoas e famílias em uma sociedade na qual a diversidade é basilar. Esse estado de bem-estar decerto inclui o direito de não ser discriminado(a) ou violentado(a) em seus direitos e sua autoaceitação.

Damares diz-se contra a "ideologia de gênero" nas escolas, mas ideologia de gênero é coisa inexistente no processo educativo público brasileiro. O que se ensina nas escolas, nas disciplinas das áreas de ciências e sociedade é, didaticamente, o funcionamento do aparelho reprodutor humano e as diferenças entre os sexos, a partir do sétimo ano do ensino fundamental, e a diversidade e o respeito às diferenças entre os sexos e os gêneros (inclusive os que recentemente têm sido trazidos à luz pela própria sociedade), a partir do oitavo ano, para que os pré-adolescentes possam se orientar sobre o funcionamento de seus próprios corpos e ter uma conduta social de respeito entre os sexos e aceitação e tolerância com todos os gêneros.

Quem tem "ideologia de gênero" é a Damares e a turma que ela representa: grupos retrógrados fundamentalistas que querem fazer a sociedade estacionar e regredir, por força de doutrinas religiosas que não são unanimidade. Sem contar que o Estado brasileiro é laico, portanto, não pode ser regulado por doutrinas religiosas, de acordo com a própria Constituição.

Outras funções importantes da abordagem da sexualidade humana nos currículos dos anos finais do ensino fundamental são: (i) o esclarecimento sobre a existência de doenças sexualmente transmissíveis (DSTs); (ii) tornar os pré-adolescentes preparados para reconhecer caso sejam sexualmente molestados, podendo assim denunciar atos de pedofilia praticados contra si. Se não puderem discernir entre um comportamento normal de um adulto em relação a eles e um ato de abuso sexual contra si, como poderão denunciá-lo?

No sentido de questionar um posicionamento tão retrógrado sem temer parecer radicais, pessoas cujas mentes estão operando no século XXI, ao contrário do pessoal da Damares, só podem responder ao pseudodecreto moral da ministra Damares sobre a sexualidade universal com um sonoro... "FODA-SE"!

Arte: @anjosujo